Tenho sido muito questionado sobre porque algumas pessoas se machucam em determinadas situações e outras não. A resposta a esta pergunta não é simples, temos que entender como os organismos vivos funcionam e não só os animais, todo o ecossistema tem um comportamento muito parecido.
Um dos conceitos mais importantes introduzidos na biologia foi o da Homeostase. “O fenômeno foi descrito pela primeira vez por Claude Bernard e posteriormente estudado, mais profundamente, por Walter Cannon. O primeiro, em 1859, disse que todos os mecanismos vitais, por mais variados que sejam, não têm outro objetivo além da manutenção da estabilidade das condições do meio interno. O segundo, em 1929, chamou essa estabilidade de homeostase.” (Wikipedia).
Na Teoria do Estresse de Hans Seyle, temos 3 fases de reação. A fase 1 é a de Alerta, na qual o corpo percebe que existe uma agressão e começa a reagir de forma emergencial, o Sistema Nervoso Autônomo ativa reações Simpáticas (relacionadas a adrenalina e cortisol), chamada de reação de luta ou fuga. Na fase 2, a Resistência começa a haver uma tendência ao reequilíbrio de alguns sistemas com a compensação do Sistema Parassimpático (relacionado a liberação de acetilcolina e outras substâncias reguladoras) e finalmente a fase 3, Exaustão, na qual o fator de estresse ao organismo continua presente e assim o corpo fica suscetível a gerar lesões/doenças.
Agora você me pergunta, o que isto tem a ver com corrida? Tudo!
Nosso corpo está o tempo todo sofrendo novos estímulos durante os treinos, este é o princípio de qualquer planilha, variabilidade e aumento gradativo da intensidade, provocam adaptações favoráveis que preparam o corredor para qualquer prova. Quando erramos na dose o corpo entende como agressão e se desgasta.
Já pensou em correr no fim do mundo? Inscreva-se para o Mountain Do Desafio na Neve. Clique aqui!
Então vamos para um exemplo prático: duas pessoas vão correr uma prova em estrada de terra batida (terreno irregular). Eles treinaram juntos, toda planilha era muito parecida, exceto por um dia da semana em que um priorizava um terreno parecido com o que seria na prova e o outro ia para academia correr na esteira. A prova é de longa distância, uma ultramaratona com quatro etapas. No segundo dia de prova, apesar de os dois terem se preparado muito bem o segundo corredor, que não estava acostumado com o tipo de terreno, começa a sofrer com dores em alguns tendões responsáveis pela estabilização lateral do tornozelo e joelho. Este é o primeiro sinal: dor. Mostrando que está ocorrendo uma agressão ao organismo à qual ele ainda não está adaptado.
Na hipótese do corredor mal adaptado ao terreno parar de correr, seu corpo, provavelmente, restabeleça sua homeostase e a chance de lesão torne-se muito pequena. Caso continue ele entrará na fase 3 da Teoria do Estresse, mantendo a agressão ao organismo e provavelmente desenvolvendo realmente uma lesão tendínea.
Casos como este acontecem o tempo todo. A explicação para isso passa longe do acaso, o treino específico é importante para todos os esportes. Você consegue imaginar um atleta do salto com varas treinar sempre com uma vara mais flexível e chegar na competição tendo que usar uma mais rígida? O que isso pode acarretar? Outro exemplo são os tenistas, especialistas nos tipos de piso, existem alguns que só conseguem ganhar títulos importantes em um único tipo de piso.
As visões sobre estas lesões costumam estar erradas, já que as entendemos como um fato do acaso, situações externas que estão sempre suscetíveis. Às vezes deixamos de considerar o mais importante: “o quanto estamos preparados para passar por determinada situação.
Ao forçar demais nosso corpo, para uma adaptação rápida, acarretam-se consequências, nem sempre boas. Uma tendinite é um processo adaptativo como qualquer outro, todos os treinos em que forçamos nosso corpo ocorrem microlesões musculares e tendíneas, o impacto molda o osso e a cartilagem, mas normalmente estas microlesões cicatrizam rapidamente, então, se respeitados os períodos de repouso e recuperação, com treinos variados e aumento gradativo de estímulo o corpo vai se adaptando.
Já quando estes estímulos superam a tolerância de adaptação, teremos somatória de microlesões que podem gerar grandes lesões e impedir a resolução dos processos de forma natural.
A conclusão é simples: adaptação ocorre respeitando tempo de recuperação e dando estímulo específico. Não vale achar que ao correr nas ruas irregulares de São Paulo isto te deixe totalmente preparado para correr em trilha.
Bons treinos!