Nos Estados Unidos maratona com a de NY reúne mais de 30 mil (foto: Donata Lustosa/ www.webrun.com.br)
Com o crescimento constante da corrida de rua no Brasil e no mundo, uma maior divulgação da mídia e o contato crescente de pessoas com os muitos prazeres e benefícios da corrida, uma pergunta tem soado cada vez mais forte na cabeça de grande parte dos corredores: quando poderei correr uma maratona?
Mas essa não é uma resposta tão simples, considerando que todos nós somos diferentes embora pertençamos a mesma espécie (individualidade biológica). Cada caso deve ser avaliado por um treinador competente e que tenha muita experiência com a distância. Mas algumas questões importantes devem ser sempre consideradas.
É notável que há um grande modismo, nada saudável, relacionado à maratona e até o mito absurdo que o corredor de maratona é mais corredor que o corredor das distâncias menores. Com isso, cada vez mais vemos pessoas ingressarem precocemente na distância, pulando etapas fundamentais no processo de preparação e como conseqüência tendo mais lesões e até abandonar precocemente o esporte. É como casar-se aos 15 anos após namorar por apenas 6 meses!
A primeira e fundamental questão a ser considerada é o lastro de treinamento que a pessoa possui. Há quantos anos treina? Já fez várias provas de 10km, 15km, e no mínimo uma meia maratona? Quanto tem corrido por semana, há quanto tempo? Estas respostas são a base para que nós treinadores, avaliemos o grau de maturidade do corredor. Maturidade é indispensável para a estréia na distância.
Uma vez que o corredor, amador ou profissional, já tenha sido avaliado por um médico, que tenha acumulado experiências em várias provas menores, que já tenha adquirido uma boa experiência em meia maratona, supõem-se que ele já deva ter no mínimo uns dois anos de treinamento, podendo então pensar em prepara-se para algo mais longo.
Treinamento – Depois disso, ainda há outro grande problema nessa decisão de correr a maratona. Encarar o desafio como algo sério. Hoje infelizmente temos acompanhado uma grande banalização do treino para a maratona. Muitas pessoas não encaram essa preparação com seriedade. Muitos desses treinamentos são preconizados à distância, sem que haja qualquer tipo de contato visual entre treinador e corredor, além disso, muitos treinadores disponibilizam planilhas coletivas que não sofrem adaptações ao longo das semanas.
Estes dias li uma matéria onde o autor, que não é um profissional da área, recomendou aos iniciantes pular da distância de 15km para a maratona em apenas três meses! Prescreveu inclusive o acréscimo de 15 minutos em cada treino longo nos finais de semana durante esses três meses, alegando que a coisa é como matemática. É evidente que este tipo de informação publicada não tem qualquer embasamento científico, muito menos lógico. Fosse tão simples assim, não seriam necessários anos intensos de estudos para alguém trabalhar com a distância.
Vale lembrar também que prescrever atividades físicas, quaisquer que sejam, é de competência somente do profissional de Educação Física, com registro no CREF (Conselho Regional de Educação Física), conforme a lei 9.696/1998, que regulamenta a atividade do profissional de Educação Física. É lamentável que, sobretudo as pessoas mais simples, sejam levadas a graves erros, cujos prejuízos futuros serão arcados somente por elas.
Em levantamento feito através de literaturas qualificadas e estatísticas sérias, autores chegaram a conclusão (há muitos anos) que os melhores resultados dos maratonistas, em sua maioria, são obtidos após 10 anos de treinamento sério, normalmente com idades superiores aos 24 anos. Segundo Thompson (1991) que discute as fases de crescimento e a maturidade atlética, o indivíduo passa a ser adulto com idade acima de 19 anos, podendo só então ser submetido a treinamentos mais desgastantes. Para ter uma idéia a primeira categoria para a maratona reconhecida pela IAAF é a de 20 a 24 anos.
Se os melhores atletas do mundo sabiamente ingressam na distância mais tarde, normalmente acima dos 24 anos, após acumularem grande experiência em distâncias menores, os amadores têm que ter no mínimo um pouco de bom senso com relação a primeira participação na prova.
É claro que um ou outro atleta consegue o êxito mais cedo, como o atual campeão olímpico Samuel Wanjiru, do Quênia, que obteve o feito na distância aos 22 anos, e debutou nela aos 21 anos. Porém, vale ressaltar que a estréia dele aconteceu após vários anos de treinamento, já que antes de ingressar a maratona, Wanjiru, aos 21 anos, já havia estabelecido a melhor marcar mundial para a meia maratona (58min33), que permanece até os dias atuais.
Não indo muito longe, nosso melhor maratonista na atualidade, Marílson Gomes dos Santos, bicampeão da tradicional Maratona de New York, ingressou na distância ao 26 anos, após mais de 10 anos de treinamento e depois de ter feito muitas provas de pista, cross-country e de rua mais curtas, sendo inclusive o recordista brasileiro e sul-americano em várias delas.
O mesmo podemos dizer do mais rápido maratonista do mundo, o etíope Haile Gebrselassie, que possui a primeira, a segunda e a terceira melhor marca de todos os tempos. Haile teve uma experiência muito negativa em início de carreira quando ainda não era profissional e não treinava adequadamente. Treinou depois por anos para provas menores, tendo inclusive batido os recordes mundiais dos cinco e dos 10 mil metros. Nesta última distância ele foi bicampeão olímpico. Haile voltou para as maratonas somente aos 28 anos. Aliás, é um grande modelo de longevidade, pois está com 35 anos e ainda corre atrás de recordes mundiais.
Por último é fundamental dizer que quem pretende correr uma maratona, mesmo que seja somente para completar, precisa dispor de no mínimo quatro ou cinco dias por semana para dedicar-se aos treinos. Com base em dados coletados em 13 anos trabalhando com amadores publicados no texto Qual é o volume certo de treino para a maratona, treinando em torno de 65 a 70km semanais, é possível completar a prova sem qualquer problema, alguns inclusive conseguiriam completar em menos de quatro horas.
Caso não seja possível treinar este mínimo de distância semanal, ou de dias na semana, particularmente preconizo a busca pelas menores distâncias, lembrando que não é nenhum demérito não fazer maratona, ou deixá-la para fazer em outra fase da vida.
Valorize e respeite cada etapa de sua carreira atlética, seja você um amador ou profissional. Não corra maratona precipitadamente apenas por modismo e não deixe de treinar com a orientação de quem realmente é do ramo. Bons treinos e muito sucesso nas provas!
Para curiosidade, segue a lista dos 10 maratonistas mais rápidos de todos os tempos:
Alguns dados de grandes atletas da história:
Referência bibliográfica:
– Moreira, S. Equacionando O treinamento- A matemática das Provas Longas (1987)
– Thompson P. Introdução à Teoria do Treino- IAAF (1991)
– Zakharov .A; Gomes, A.C – Ciência do Treinamento Desportivo (1992).
– Dantas. H. M – A Prática da Preparação Física (1994).
– BRASIL. Congresso Nacional. Decreto-lei n. 9.696. Brasília: Diário Oficial da União, 02 de setembro de 1998
– http://www.iaaf.org/statistics/toplists
Este texto foi escrito por: Nelson Evêncio