La Mision Race 2022: revivendo uma aventura dez anos depois

Sidney Togumi | Trail Run · 24 mar, 2022

Em setembro de 2021 pensei que deveria participar do La Mision Race no ano seguinte, afinal completaria dez anos da minha última participação nesta prova. 

Ao mesmo tempo, iniciei um grupo para treinar especificamente para o evento, que chamei de “Caravana La Mision”. Começamos com 14 pessoas, porém largaram apenas 4 aspirantes a “misioneros”, pois alguns deles tiveram contratempos durante a preparação, tanto no âmbito do treinamento quanto pessoal e profissional.

No meu caso os treinos foram “razoáveis” até o dia da viagem. Para poder pagar mais barato nas passagens aéreas, optei por chegar no sábado anterior à largada (quinta-feira), o que me daria outro benefício que era o de descansar bem antes de uma prova de 160km, que poderia durar até 75 horas.

Cheguei em Villa la Angostura sem contratempos, o que já evita muitas dores de cabeça e preocupações.  

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No domingo e na segunda-feira aproveitei para reencontrar amigos argentinos e de outros países, que também iriam enfrentar as montanhas patagônicas, além de comer (é claro) os melhores alfajores e empanadas da cidade. 

Na terça aproveitei para organizar a mochila com todos os equipamentos e vestuários obrigatórios, pois no dia seguinte seria o primeiro dia para realizar o check in no evento e para isso era necessário passar pela vistoria realizada pelos staffs de segurança do La Mision. Caso algum item não fosse aprovado eu deveria substituí-lo, mas tudo estava em ordem.

La Mision Race 2022: revivendo uma aventura dez anos depois

Foto: arquivo pessoal

Quarta-feira foi o dia de descansar e organizar toda a alimentação que seria utilizada na prova, afinal meu objetivo era tentar cruzar a linha de chegada próximo de quarenta horas, melhor, entre 38 e 42 horas.

A largada estava marcada para às 10h da manhã de quinta-feira, porém a organização havia solicitado a todos os atletas que chegassem às 9h para entregar o “dropbag” para o staff e realizar um briefing pré largada.

Por volta das 9h30 o Guri Aznarez, organizador e idealizador do La Mision Race, comunicou a todos que a largada sofreria um atraso de 1 hora em razão da alteração do percurso por conta do clima encontrado na primeira montanha da prova.

Esperamos e pronto! Contagem regressiva. Largamos às 11h em ponto! Quem diria que 10 anos depois eu estaria largando novamente no LM Race, em Villa la Angostura.

Eu sabia que as primeiras horas seriam utilizadas para me ajustar ao clima, à mochila e ao ambiente. Tudo sem pressa, afinal tínhamos muitos quilômetros e horas de atividade pela frente.

Encontrei alguns brasileiros durante meu trote maroto, o mesmo que realizei durante o Desafio Estrada Real, em outubro de 2021. Sempre atento ao relógio, pois sabia  que deveria me manter alimentado e hidratado para poder fazer uma boa prova.

Os primeiros quilômetros eram praticamente planos, então pudemos nos aquecer com “tranquilidade”, eram aproximadamente 6km até a primeira subida, e que subida. Foi o primeiro teste para a paciência dos atletas, por outro lado a beleza do bosque que passamos valia todo o esforço.

La Mision Race 2022: revivendo uma aventura dez anos depois

Foto: Arquivo pessoal

Um dos desafios do LM Race são os cruzamentos de rios com águas congelantes, no total são mais de 30 vezes que molhamos nossos pés, a ponto de não senti-los por alguns minutos após pisar na outra borda.

Cheguei a Traful (43km) com 7h30 de prova, o que para mim era um tempo muito bom, dentro do que eu tinha em mente. Nesse posto de controle era realizado um check list de equipamentos e a staff solicitou que mostrasse o saco de dormir e o anorak.

Nesse ponto também encontrei com o Marcel e Arthur de Campinas, SP e logo em seguida o Matheus meu aluno.

Conversamos rapidamente e disse a eles que iria comprar um hambúrguer e uma coca, que sabíamos que estaria vendendo pois a organização nos avisou com antecedência dessa possibilidade.

Depois de degustar o “melhor hambúrguer do mundo”, iniciei a subida da montanha Piedritas. Nada mais, nada menos que 4km com 1000D+, pois meu objetivo era chegar no cume com luz natural, o que consegui. Sorte que por lá escurece somente após as 21:00. Até tentei fazer o LIVE10 da montanha, mas infelizmente o celular não conectava com a rede 3G disponível. 

Cheguei ao todo de Piedritas às 22h, headlamp acesa, capacete e bora descer rumo a Mallin de las Nieblas e depois Ragintuco, aproximadamente km 85 da prova e onde encontraríamos o nosso dropbag.

O início da descida é bem íngreme e todo cuidado é pouco, ainda mais com 12 horas de prova nas pernas e na cabeça. Logo em seguida, a descida adentra em um bosque e finaliza somente quando cruzamos o Rio Minero e sua água congelante, sorte que o volume não estava tão alto.

A partir desse ponto eu consegui imprimir um ritmo bom de prova, variando entre trote e caminhada rápida. Fiquei muito tempo sozinho.

De repente vejo uma lanterna a frente e me motivo pois estaria ganhando uma posição. Quando fiz a passagem ouvi: “Togumi!” Era a uruguaia Paola Nande que já havia participado da primeira edição do La Mision Brasil, em 2013, e também foi representante ITRA no Uruguai por alguns anos.

Seguimos juntos por mais ou menos 1 hora e tive que parar para fazer xixi, Paola seguiu. Pensei que conseguiria alcançá-la, ledo engano, só a encontrei passeando domingo pelas ruas de Villa la Angostura.

Mesmo assim seguia bem, dentro do eu havia imaginado ou como alguns dizem, planejado. 

Essa sensação durou até o km 65, mais ou menos, porque a partir desse ponto da prova eu comecei a sentir o trato tibial. Para quem não sabe, são pequenas pontadas na lateral externa do joelho. Meu ritmo caiu e minha cabeça começou a trabalhar a mil por hora, tentando achar uma solução ao mesmo tempo que tentava prever o que poderia acontecer ou não.

Fiquei quase duas horas e meia nessa confabulação interna até chegar em Ragitunco. Peguei meu dropbag, cuidei dos pés e fica pensando nas opções que eu tinha:

  1. Seguir na prova
  2. Optar por seguir no percurso dos 110km pois esse era o ponto onde as duas provas se dividiam e o regulamento permitia fazer essa mudança.
  3. Dormir um pouco e depois ver o que fazer.
  4. Abandonar a prova.

Decidi pela opção 2. 

Por isso eu deveria seguir pelo acostamento da rodovia por 17km até a linha de chegada. Foram aproximadamente 3 horas caminhando, pois não conseguia mais trotar em razão da inflamação.

Cruzei a linha de chegada com 21 horas e 24 minutos de prova, meio feliz, meio triste. Mais feliz do que triste.

Foi a decisão certa? Nunca saberemos.

Durante meu brainstorm individual, se é que isso existe, fiz diversas perguntas a mim mesmo para tentar chegar a uma decisão, porém faltou uma pergunta: Se eu tivesse apenas duas opções pelo regulamento: seguir ou desistir, o que faria?

Minha resposta? Seguiria na prova. 

É normal associarmos o seguir na prova com terminar a prova e isso não é 100% garantido, portanto não devemos sofrer por uma coisa que não temos certeza que aconteceria.

Meu joelho doeu nos dias seguintes? Sim por sorte, sim! O que foi um alívio, pois justificava a minha decisão.  

Tomei uma decisão num momento “bad trip”? Não. Tenho certeza que não. Então ok. Não sofro com a decisão tomada.

Cada jogo é um jogo diferente e que venha o próximo desafio.

Sidney Togumi

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Ultramaratonista e bacharel em Educação Física, Togumi é treinador da UPFITRAIL Assessoria Esportiva, onde atende os principais atletas do trail running nacional. Representante ITRA no Brasil, Assessor CBAt - Confederação Brasileira de Atletismo para Trail Running, palestrante, Pós Graduado em Treinamento Desportivo - UNIFESP e Especialista em Treinamento Desportivo - Havana/Cuba.