…e o do ano 2003 (foto: Harry Thomas Jr Arquivo WebRun)
Com pouco mais de 4 anos de atletismo, Ednalva Laureano se transforma em uma das principais corredoras do Brasil
Pode-se dizer que existe uma Ednalva antes e depois do atletismo? Como elas são diferentes?
Ednalva – Existe. Antes eu era mais sofrida. Agora a situação está melhor, posso ajudar um pouco a minha família. Até parei de estudar na 2ª série porque achava que não precisava, pois não sairia da roça. Aprendi apenas a assinar o nome. Agora voltei para a escola, meu técnico e a esposa dele me incentivaram muito. Hoje tenho sonhos e uma profissão.
Você, algum dia, sonhou em ser esportista?
Ednalva – Uma vez. Aos 15 anos estava assistindo a São Silvestre com meus pais e irmãos (Ednalva tem 11 irmãos) e falei de brincadeira que um dia eles iam me ver correndo na TV, estaria na São Silvestre. Mas foi só isso. Nunca alimentei o sonho de ser esportista, no entanto aconteceu e hoje não troco o atletismo por nada.
O que é preciso para ser destaque no atletismo?
Ednalva – Precisa muito esforço e nunca desistir. Quem quer vencer como atleta tem que se sacrificar e se dedicar para depois conseguir as coisas boas, como os títulos, conhecer novos lugares, ter amigos. O que não pode é dar moleza. Treino todo dia, faça chuva ou sol, mesmo quando meu técnico não está comigo.
Como é o dia a dia da atleta/estudante Ednalva?
Ednalva – Treino de manhã, descanso e treino à tarde também. À noite vou pra escola, estou fazendo a 3ª e 4ª séries (supletivo). Quando tem competição e viagens, perco um pouco dos estudos, mas quando estou em Campina Grande tento recuperar. Consigo levar bem esporte e estudo.
Como está seu treino?
Ednalva – Treino todos os dias em dois períodos e faço musculação e massagem duas vezes por semana. De manhã faço 15 km e à tarde 12 km. No sábado e domingo só de manhã. O treino mais longo é no domingo, que faço 20 km, quando não tem competição. Mas o treino vai alterando, depende da fase de preparação.
Quais são os objetivos a Curto, médio e longo prazos?
Ednalva – Penso em melhorar meus treinos, a performance e disputar mais provas fora do Brasil em 2003. Meu sonho é estar em uma Olimpíada. Vou fazer de tudo pra conseguir o índice para os 10 mil. Disputo meia maratona, mas meu forte são os 10 mil. No próximo ano quero disputar o Troféu Brasil. Participei em 99. Em 2002 fiquei de fora por lesão.
O que é mais difícil: o trabalho na roça ou se preparar para ser atleta de alto nível?
Ednalva – Eu gosto da roça, quando estou no sítio ainda faço alguma coisa. Os dois trabalhos são difíceis, mas a recompensa no atletismo é bem melhor. Não desisto por nada do atletismo.
Como você se envolveu no atletismo?
Ednalva – Nunca pensei em ser corredora, sabia que ia continuar trabalhando na roça e vendendo frutas na feira para ajudar meus pais. Em 95, disputei uma gincana escolar, uma prova de 2km, e venci. As pessoas falavam que eu tinha jeito, mas para mim era só brincadeira. Depois, em 98, um amigo, o Gabriel Sanfoneiro, começou a me incentivar a treinar para virar atleta. Eu achava bonito o atletismo, mas nunca tinha tido oportunidade. Meu pai achava que não era para mim, que eu tinha que trabalhar na roça, pois já estava com 21 anos e velha para o esporte. Então, falei para o Gabriel que se ele encontrasse um técnico, iria treinar.
Ele conseguiu?
Ednalva – Conseguiu. Em janeiro de 98 comecei a treinar com o Josa (Moral). Saia três vezes por semana do sítio para vir até Campina Grande e nos outros dias trabalhava de manhã e treinava a tarde na roça. No domingo fazia feira para buscar dinheiro para as despesas. A minha primeira corrida foi em Bananeiras (6 km), depois de um mês que estava treinando. Venci e fiquei com mais vontade de treinar. Ao longo do tempo parei de ficar na feira e comecei a trabalhar em casa de família para ter mais tempo para os treinamentos. Depois de um ano e um mês correndo, vim morar com o meu treinador na cidade para poder me dedicar aos treinos, a academia e diminuir as despesas de viagem.
Os seus pais apoiaram?
Ednalva – O meu pai não aceitou o atletismo até um ano e seis meses de treino. Hoje ele gosta muito. Quando comecei a vencer ele viu que eu tinha chances. Depois de seis meses que comecei no esporte, participei da Corrida da Fogueira, em Campinas Grande, com as melhores atletas do Estado e fiquei em primeiro lugar. Comecei em pequenas provas na região, depois no estado, até chegar as grandes.
O quanto você acha que ter feito trabalho braçal te ajudou no esporte?
Ednalva – Ajudou bastante. Se morasse na cidade não estaria no atletismo. O povo da cidade tem facilidades que fazem desistir do atletismo. Muitas garotas começaram junto comigo, eram mais jovens e não continuaram porque preferiram passear a treinar. Eu não tinha opção: ou treinava ou voltava para a roça, onde sabia que não teria um futuro diferente.
Quais são seus sonhos?
Ednalva – Quero ter o meu lar, comprar uma casa para a minha mãe na cidade. No esporte sonho com uma medalha olímpica e um pódio na São Silvestre.
Como foi a conquista do título de atleta mais rápida do país (após vencer a corrida Tribuna FM, em Santos, considerada a mais rápida do calendário nacional, com o tempo de 33m16)?
Ednalva – Estava num período de treinamento bom, mas não esperava chegar em primeiro, já que em 2001 fui a 11ª colocada. Controlei o ritmo porque estava um dia muito quente e consegui render bem. Quando percebi estava liderando. Quero baixar meu tempo para 32 minutos (10km), sei que é difícil, mas aí, sim, vou achar que estou sendo uma das melhores do Brasil.
O quanto e como a sua vida mudou com o sucesso no esporte?
Ednalva – Sou a mesma pessoa de antes, gosto de brincar com todo mundo, só que agora vivo na cidade e me dedico exclusivamente ao atletismo. E tenho um pouco de dinheiro. Antes eu tinha que pedir emprestado para as minhas irmãs, que trabalham em casa de família, para poder viajar e comprar vitaminas. Agora eu as ajudo no que posso.
Qual é seu ponto forte como atleta?
Ednalva – Gosto do que faço, tenho muito incentivo, torcida e sempre quero fazer o melhor para deixar todo mundo feliz.
Na sua opinião o que falta para o Brasil dominar nas provas em nível internacional?
Ednalva – Falta apoio e estrutura para o atleta se preparar. Se tivéssemos estrutura igual a dos estrangeiros, teríamos grandes conquistas.
Você gosta da organização das corridas no Brasil? Falta alguma coisa?
Ednalva – Falta os organizadores valorizarem os atletas nacionais. Eles preferem bajular os estrangeiros do que melhorar a premiação para os brasileiros.
Ganhou muito dinheiro com o esporte? Como você investe?
Ednalva – O que ganhei até agora deu para bancar minhas despesas com competições, para me manter no atletismo. Só deu para comprar um sítio em Alagoa Nova, mas que não tem nada ainda, só a terra. Estou com patrocínio da Mizuno desde julho e da prefeitura de Campina Grande desde janeiro. Antes, eu tinha que ficar entre as cinco primeiras na maioria das competições para ganhar um dinheiro para a próxima prova, agora esta pressão está menor com ajuda dos patrocinadores.
Que conselho você dá para as mulheres que querem começar no esporte?
Ednalva – Que elas enfrentem os desafios com muita vontade, pois vale o sacrifício e é uma profissão que dá saúde e te proporciona boas relações.
O Brasil tem mais tradição e resultados no masculino que no feminino. Isso pode mudar?
Ednalva – Pode e já está mudando. Nós, mulheres, estamos vencendo grandes corridas e mostrando que podemos levar o Brasil mais longe.
Você faz algum tipo de preparação mental para competir?
Ednalva – Não faço nada especial. Assisto TV, converso com as amigas.
Como é a vida fora do esporte?
Ednalva – Gosto de ir para a casa dos meus pais, visitar as amigas e assistir filme em casa.
Como é a sua alimentação?
Ednalva – Balanceada como de todo atleta. Como bastante verduras e frutas. Complemento com BCA, carboidratos. Faço cinco refeições diárias e tomo bastante líquido.
Acredita que poderia ter hoje melhores resultados se tivesse tido mais facilidades na vida?
Ednalva – Sim. Se o apoio tivesse vindo antes, meus resultados aconteceriam mais cedo. Desde que entrei no atletismo me dediquei totalmente. Abri mão de tudo pelo esporte e compensou o fato de ter entrado tarde no esporte. Acho que enquanto tiver saúde vou estar correndo.
Como é a Ednalva Laureano mulher?
Ednalva – Não sou muito vaidosa. Não tenho namorado e sou bem simples, não gosto de estar muito arrumada. É raro usar batom, maquiagem, só em ocasiões especiais.
Este texto foi escrito por: Rafael de Marco