Nos últimos anos, com a popularização das corridas de rua, tornou-se comum ver famílias inteiras participando de eventos esportivos. A prática é extremamente saudável desde que adequada à idade.
No entanto, permitir ou incentivar uma criança de 10 anos a correr uma maratona de 42 km é algo que ultrapassa qualquer limite de segurança. Do ponto de vista médico e ortopédico, trata-se de uma prática contraindicada e potencialmente perigosa, com riscos amplamente documentados na literatura científica.
O corpo infantil não está preparado para esse tipo de esforço extremo. Nessa faixa etária, o sistema musculoesquelético ainda é imaturo: ossos, tendões e articulações estão em formação, com cartilagens de crescimento (fises) abertas. O impacto e a sobrecarga repetitiva de uma maratona podem causar lesões de estresse, epifisiólises e até deformidades no crescimento ósseo.

Do ponto de vista metabólico e cardiovascular, os riscos são igualmente relevantes. O organismo infantil tem menor capacidade de termorregulação, glicogênio reduzido e ainda não possui mecanismos plenamente desenvolvidos para lidar com a desidratação e o estresse prolongado. Isso aumenta a chance de hipoglicemia, hiponatremia, arritmias e colapsos circulatórios.
Outro ponto crítico é a sobrecarga articular precoce. Joelhos, quadris e tornozelos de uma criança não foram feitos para suportar o impacto de dezenas de milhares de passadas. Esse tipo de estímulo pode antecipar quadros de artrose e tendinopatias crônicas, comprometendo a saúde musculoesquelética na vida adulta.
E não menos importante: o impacto psicológico. Uma maratona não é apenas física; ela exige foco, disciplina e resiliência mental. Submeter uma criança a essa pressão — muitas vezes associada a expectativas de adultos — pode gerar estresse emocional, frustração e até repulsa pela prática esportiva.
As principais entidades médicas e esportivas são categóricas. A American Academy of Pediatrics (AAP) e a World Athletics recomendam que, até os 14 anos, a corrida mantenha caráter lúdico, de curta duração e sem foco competitivo. O objetivo nessa fase é promover o prazer pelo movimento, o desenvolvimento da coordenação e a criação de hábitos saudáveis não a resistência extrema.
Aos 10 anos, o ideal é que a criança pratique corridas de até 3 km, com pausas, acompanhamento de adultos e, principalmente, diversão. Incentivar o amor pelo esporte é fundamental, mas isso deve vir com responsabilidade.
Maratona é um desafio lindo para adultos plenamente desenvolvidos, com treino e acompanhamento adequados. Para as crianças, o desafio deve ser outro: crescer com saúde, segurança e vontade de continuar se movendo.
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Referências:
• American Academy of Pediatrics. Sports Participation for Children and Adolescents: The Risks and Benefits of Organized Athletic Activity. Pediatrics, 2019. https://doi.org/10.1542/peds.2019-0990
• Tenforde AS, et al. Running-Related Injuries in Youth Athletes: A Clinical Review. Current Sports Medicine Reports, 2021.
• World Athletics. Consensus statement on youth long-distance running., 2020.