Crianças e maratonas: por que esse limite precisa ser respeitado

Ana Paula Simões | Maratona · 29 out, 2025

Nos últimos anos, com a popularização das corridas de rua, tornou-se comum ver famílias inteiras participando de eventos esportivos. A prática é extremamente saudável desde que adequada à idade.

No entanto, permitir ou incentivar uma criança de 10 anos a correr uma maratona de 42 km é algo que ultrapassa qualquer limite de segurança. Do ponto de vista médico e ortopédico, trata-se de uma prática contraindicada e potencialmente perigosa, com riscos amplamente documentados na literatura científica.

O corpo infantil não está preparado para esse tipo de esforço extremo. Nessa faixa etária, o sistema musculoesquelético ainda é imaturo: ossos, tendões e articulações estão em formação, com cartilagens de crescimento (fises) abertas. O impacto e a sobrecarga repetitiva de uma maratona podem causar lesões de estresse, epifisiólises e até deformidades no crescimento ósseo.

Foto: Adobe Stock

Do ponto de vista metabólico e cardiovascular, os riscos são igualmente relevantes. O organismo infantil tem menor capacidade de termorregulação, glicogênio reduzido e ainda não possui mecanismos plenamente desenvolvidos para lidar com a desidratação e o estresse prolongado. Isso aumenta a chance de hipoglicemia, hiponatremia, arritmias e colapsos circulatórios.

Outro ponto crítico é a sobrecarga articular precoce. Joelhos, quadris e tornozelos de uma criança não foram feitos para suportar o impacto de dezenas de milhares de passadas. Esse tipo de estímulo pode antecipar quadros de artrose e tendinopatias crônicas, comprometendo a saúde musculoesquelética na vida adulta.

E não menos importante: o impacto psicológico. Uma maratona não é apenas física; ela exige foco, disciplina e resiliência mental. Submeter uma criança a essa pressão — muitas vezes associada a expectativas de adultos — pode gerar estresse emocional, frustração e até repulsa pela prática esportiva.

As principais entidades médicas e esportivas são categóricas. A American Academy of Pediatrics (AAP) e a World Athletics recomendam que, até os 14 anos, a corrida mantenha caráter lúdico, de curta duração e sem foco competitivo. O objetivo nessa fase é promover o prazer pelo movimento, o desenvolvimento da coordenação e a criação de hábitos saudáveis não a resistência extrema.

Aos 10 anos, o ideal é que a criança pratique corridas de até 3 km, com pausas, acompanhamento de adultos e, principalmente, diversão. Incentivar o amor pelo esporte é fundamental, mas isso deve vir com responsabilidade.

Maratona é um desafio lindo para adultos plenamente desenvolvidos, com treino e acompanhamento adequados. Para as crianças, o desafio deve ser outro: crescer com saúde, segurança e vontade de continuar se movendo.

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Referências:
• American Academy of Pediatrics. Sports Participation for Children and Adolescents: The Risks and Benefits of Organized Athletic Activity. Pediatrics, 2019. https://doi.org/10.1542/peds.2019-0990
• Tenforde AS, et al. Running-Related Injuries in Youth Athletes: A Clinical Review. Current Sports Medicine Reports, 2021.
• World Athletics. Consensus statement on youth long-distance running., 2020.

Ana Paula Simões

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Professora Instrutora e mestre em Ortopedia e Traumatologia do Esporte da Santa Casa de SP. Membro internacional e nacional da Sociedade de medicina e cirurgia da Perna, Tornozelo e Pé. Vice presidente da sociedade paulista de medicina esportiva. Comissão da prova de título da Sociedade Brasileira de medicina do esporte. Membro da Sociedade Brasileira de Medicina do Esporte e da Sociedade de Traumatologia Esportiva. E também é corredora e nadadora.