Um dos maiores desafios da longevidade é que dependemos muito da mudança de hábitos e, ao mesmo tempo, os resultados das nossas ações e privações aparecem em grande parte apenas no longo prazo.
Então, como é possível começar a treinar se uma pessoa nunca treinou? Como priorizar o sono se isso nunca aconteceu? E como mudar uma alimentação que, por boa parte da vida, estava fora do ideal?

Já escrevemos sobre como isso começa. Começa quando ganhamos consciência e usamos a nossa liberdade para escolher sermos protagonistas da própria saúde. A meta é fazer com que a nossa honra com esse propósito pese mais do que os sentimentos do dia a dia, sentimentos que o ambiente nos empurra e que, muitas vezes, não controlamos. Frio, trânsito, stress no trabalho, falta de vontade e por aí vai.
O problema que sustentar essa honra não é fácil. A rotina puxa na direção contrária. Como então criar uma estratégia que nos ajude a implementar os hábitos que nos fazem viver mais e melhor, e substituir os que nos prejudicam? É aí que entram as boas teorias de hábitos.
O loop do hábito e os cinco “gatilhos”
Charles Duhigg, em O Poder do Hábito, descreve o loop do hábito em três partes:
gatilho → rotina → recompensa
O gatilho aciona a rotina; a rotina entrega uma recompensa que o cérebro passa a esperar.
E, quando falamos de gatilhos, eles quase sempre caem em cinco categorias:
- Tempo (hora do dia)
- Lugar (ambiente)
- Estado emocional
- Pessoas (quem está por perto)
- Ação imediatamente anterior (um pequeno ritual)
Por isso, quando estamos querendo analisar um hábito que temos ou queremos ter, é fundamental pensar nos gatilhos que ativam ele. Do outro lado está a recompensa, que pode ser extrínseca ou intrínseca, e é crucial para aumentar a vontade de repetir o hábito.
É importante destacar duas coisas: primeiro, criar hábitos novos é diferente de mudar hábitos antigos. Segundo, a recompensa inicial precisa ser imediata. Comportamentos viram hábito quando, no começo, recebem um reforço prazeroso logo depois de acontecer. Com o tempo, a recompensa tende a migrar de extrínseca (um agrado) para intrínseca (o próprio bem-estar de ter feito).
Vamos a dois exemplos para ilustrar.
Como criar um hábito
Vamos imaginar que você queira começar a ir à academia, mas nunca teve esse hábito. É muito importante que você use o máximo de gatilhos possível, por exemplo:
- Tempo e lugar: Escolha o horário e local. Ex: “Seg–qua–sex, 7h, academia X / parque Y.”
- Ação anterior: deixar roupa e tênis prontos na noite anterior; garrafinha já cheia.
- Pessoas: combinar com um amigo(a) ou treinador. A presença de outra pessoa é um dos gatilhos mais fortes.
- Emoção/ritual: Use algo que te coloque no clima. Ex: Ouça uma música, tome um café logo antes e etc. Algo que você sabe que te dá um gás.
E defina uma recompensa imediata de antemão, por exemplo: tomar um banho com calma, tomar aquela água de côco gelada, 10–15 minutos de leitura leve, marcar um X visível no calendário ou deixar verde no TrainingPeaks. O cérebro precisa entender: “faço → ganho algo agora”. Depois de algumas semanas, a recompensa interna aparece (energia, humor, sensação de progresso) e o agrado externo pode diminuir. Nessa hora entra no piloto automático, por isso pense bem na recompensa.
Comece pequeno e concreto. Se é corrida: 3×/semana, 15–20 minutos confortáveis. Se é musculação: 2–3×/semana, 30–40 minutos cobrindo movimentos básicos. No início, o objetivo é aparecer. Conforme a presença vira automática, aí sim aumente duração ou carga. O Peter Attia comenta que, para aguentar treino aeróbico leve (Z1/Z2) na bicicleta que ele acha muito chato, ele sempre escuta um dos três podcasts de que mais gosta — a recompensa.
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Como trocar um hábito ruim
Para hábitos antigos que você não quer mais, a ideia não é acabar com eles, e sim substituir a rotina mantendo o mesmo gatilho e uma recompensa parecida. Ou seja, trocar o miolo do ciclo (gatilho → rotina → recompensa). Vamos imaginar que você quer parar de tomar refrigerante:
- Mapeie o loop atual: “Depois do almoço (lugar + ação anterior), tomo refrigerante (rotina) e sinto alívio/energia/agrado doce (recompensa).”
- Insira uma nova rotina que entregue algo próximo dessa recompensa: água com gás e limão ou chá gelado sem açúcar. Teste até achar o que realmente “bate”.
- Ajuste o ambiente: se você toma em casa ou no trabalho, não compre nem estoque refrigerante. Você usa força de vontade por poucos minutos no supermercado pra não comprar e fica sem acesso direto ao refrigerante durante a semana toda.
- Planeje o “se/então”: “Se eu terminar o almoço e desejar um refri, então vou pegar água com gás.”
- Trate recaídas como dados, não como culpa. Pergunte “o que faltou?” (recompensa fraca? gatilho mal coberto?) e ajuste o plano. Lembre do nosso artigo sobre sono: a falta de sono aumenta o risco de recaídas.
Por que é tão difícil? E como facilitar
Boas decisões de saúde pagam dividendos no longo prazo, mas o cérebro decide no curto. Na prática, vale fabricar pequenos reforços imediatos, usar gente de confiança como âncora social, transformar presença em um jogo simples que você consegue “vencer” toda semana e mexer no ambiente para facilitar o certo e dificultar o errado. Decisões tomadas na noite anterior, quando a cabeça está fria, protegem sua vontade para o dia seguinte; sono e alimentação minimamente organizados evitam depender de força bruta. E, quando escorregar, o que separa tentativa de construção é não deixar um dia ruim virar dois: volte no dia seguinte, sem drama. Never miss twice!
No fim, hábito é engenharia de contexto com recompensa no curto prazo até que o próprio fazer fique prazeroso o bastante para se sustentar sozinho. Em outras palavras, virar protagonista da saúde implica ser um cientista de si mesmo, testando gatilhos e recompensas até achar o que funciona para você.