Deficiência de ferro em atletas: todo mundo tem e ninguém fala sobre isso

1kdecada | Saúde · 13 mar, 2025

Como muitos de vocês vêm acompanhando, acabei de entrar na reta final das 16 semanas de preparação para o 70.3 Brasília, que anunciei no distante dezembro de 2024. Junto ao dia de treinos veio o cansaço e o momento de fazer meus exames anuais. Nunca tive alterações nos resultados até que ‘tchan’ (leiam com surpresa): a médica olhou pra mim e disse “sua ferritina está baixa. vamos ter que entrar com o injetável de Noripurum para repor o que você precisa antes da competição”.
Entrei em pânico, pedi a receita pra ontem e (finalmente) nesta semana tive a minha primeira sessão (serão 5) do injetável até a competição.

Foto: Arquivo pessoal

O que mais me pegou em tudo isso é que fiquei super preocupada com essa nova informação, mas ao começar a falar sobre percebi que grande parte do ciclo dos meus amigos atletas (e também não atletas) já teve por algum momento o mesmo diagnóstico.
Tirando a saga que foi conseguir um atendimento tanto em locais públicos de Santos, até o particular na Unimed, que é onde tenho o plano de saúde. Resolvi tirar minhas principais dúvidas com a médica do esporte Ana Sierra, que vem me acompanhando nessa jornada (e dando insights incríveis).

É normal mulheres triatletas terem estoques de ferro reduzido?

Sim. As mulheres já tem uma perda dos seus estoques relacionada a menstruação, ou seja, nós já saímos perdendo.

O exercício exige aumento no metabolismo celular e portanto maior consumo e maior necessidade de ferro pelo nosso organismo. Aliado a isso, o exercício promove a liberação de citocinas inflamatórias em especial interleucina 6 (IL6) que promove um “bloqueio” na absorção do ferro pelas células intestinais e também para que o ferro caia na circulação para ser utilizado.

Desta forma, inicialmente há o desenvolvimento da deficiência de ferro e pode também haver a anemia inflamatória que está relacionada a baixa de ferro, também devido ao excesso de inflamação.
Por fim, chega na redução da hemoglobina. Que, no final das contas, é só o pico do iceberg. Pois aí sim existe prejuízo real no transporte de oxigênio e um impacto mega importante na performance, pois precisamos levar oxigênio para os músculos em taxas bem mais altas que o normal, em repouso e assim acontece a queda visual de performance.
Porém que inicia-se lá na deficiência absoluta de ferro (quando não tem estoque de ferro) ou na deficiência funcional de ferro (quando a inflamação não permite que o ferro seja utilizado, o que é bem comum em atletas quando há a existência de ambas!

Depois da primeira vez, acontecerá sempre?

Na verdade não é que acontecerá sempre, mas sabemos que você tem predisposição a essa condição quando mantida essa rotina de treinos e alimentação.

Além da reposição na veia, é possível que os alimentos resolvam essa deficiência para pessoas na condição de atletas?

Quando falamos de manutenção dos estoques: sim.
Quando falamos de reposição devido a deficiência de ferro: muito difícil.

Temos que lembrar que existem diversos alimentos e condições que influenciam na absorção do ferro e também existe uma diferença caso estejamos falando da absorção do ferro heme (aquele que vem da carne vermelha por exemplo) ou do ferro não heme.
O ferro não heme que corresponde a cerca de 90% do que temos de ferro no organismo é o mais impactado na absorção, sendo absorvido cerca de 5% do que ingerimos. Tendo como fator de redução da absorção alimentos com cálcio (tipo o leite), café preto, taninos etc e melhora na absorção a ingestão com vitamina C, carnes, etc.
Lembrando que pessoas com alterações intestinais, por exemplo, constipadas ou com diarreias têm a absorção alterada devido ao excesso de inflamação.

A opção da ingestão de cápsulas é um bom caminho?

O grande problema desse método é exatamente a questão da absorção. Se a absorção já está muito reduzida, retornar aos estoques normais vai demandar um tempo bastante longo de uso e às vezes não temos esse tempo todo, quando pensamos  principalmente em atleta.
Mas isso não quer dizer que todo atleta com ferritina baixa deve fazer a reposição endovenosa. O quadro e a pessoa devem ser avaliados, caso a caso e momento a momento.

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Ou seja, agora o seu caso demanda reposição e a quantidade que eu prescrevi, mas em outro momento pode ser que seja mais viável com cápsulas. Ainda deve ser lembrado que hoje no mercado temos dois compostos diferentes para a reposição do ferro, com a molécula um pouco diferente e inclusive as dosagens e número de aplicações acabam também sendo diferentes.
Para finalizar, o atleta não é um padrão “normal” e isso deve muito ser levado em conta. Considerando o ciclo de treino/prova que está e tudo mais. Por isso tbm é tão importante a avaliação por um médico que entenda da área esportiva.

Chris Volpe é santista, triatleta, corredora e faladeira - não necessariamente nessa ordem: "Se pudesse faria todos os esportes ao mesmo tempo, enquanto isso não é possível vou fazendo um de cada vez". Passou por veículos como Webrun, Sua Corrida e WRun, além de participar e cobrir de diversos eventos do mundo running. No Instagram: @volpechriss