Correr ou caminhar nas subidas?

Cristiano Fetter | Trail Run · 17 maio, 2018

Você se inscreveu para uma prova com grandes subidas, e agora? Correr ou caminhar nessas sessões da prova? Essa é a grande pergunta que vou tentar responder neste texto. Afinal todo corredor de montanha acaba encarando em suas provas, grandes subidas. Subidas intermináveis e, que muitas vezes, geram um desgaste excessivo.

Certamente você já sentiu isso: Pulsação alta, boca secando e a respiração cada vez mais profunda. Essas são apenas alguns dos efeitos que uma grande subida gera no seu corpo. E, quando a prova parece um “serrote” sobe e desce o tempo todo, você mal descansa e já tem outra sessão de subida interminável. Pois é, este é um fator comum em 90% das provas do Brasil.

Foto: Fotolia

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Ser capaz de enfrentar essas grandes subidas, ou sequencia de subidas, é um fator fundamental para melhorar a performance no trail. Porém, para melhorar o desempenho devemos, antes de mais nada, ESTUDAR a prova. Já falei em textos anteriores da importância do planejamento. Mas quando falamos de performance (quando falo performance não me refiro a chegar no pódio, mas chegar dentro do SEU melhor tempo), devemos levar em conta o estudo das provas. Afinal, hoje as grandes organizações de prova “brigam” para ver quem consegue a “prova mais difícil” e isto está relacionado diretamente ao quanto a prova sobe (Desnível positivo ou D+), portanto, saber subir é um grande diferencial.

Certamente você já treinou ou competiu com alguém (ou até mesmo você era essa pessoa) que tentava correr durante toda a subida, entretanto chega um momento em que essa corrida é tão lenta que você passa caminhando. Você olha para o indivíduo ao lado e ele está em um sofrimento absurdo, fazendo uma grande força para manter aquele trote. Não é incomum você chegar a uma posição melhor em uma corrida, caminhando nas subidas, em relação a alguém que tentou “ataca-las” correndo.

Mas por que você gasta essa energia extra durante a subida?

A resposta é simples, no caminho até o topo, você ficará cansado se mantiver o mesmo ritmo. Isso porque você não precisa apenas impulsionar seu corpo para frente, mas para cima, fazendo um trabalho contra a força da gravidade. Estudos já comprovam que acima de 9% de inclinação você já está “lutando” contra a gravidade. Saber quando correr ou quando caminhar é uma arte, é uma sabedoria adquirida com o tempo.

Agora sem ser empírico, vamos observar o que a ciência do treinamento fala sobre isso. Para responder esta pergunta: andar ou correr? Os pesquisadores da universidade do colorado fizeram testes com corredores de montanha experientes. O teste consistia em correr em correr e caminhar em uma esteira em diversas inclinações. Essas inclinações iam de 9% até 40% de inclinação.

Em resumo, os pesquisadores entenderam que correr só é mais eficiente (do ponto de vista energético) até 9% de inclinação, qualquer inclinação maior que essa, o ideal seria caminhar. Outra informação importante, é que a partir de 15% de inclinação, correr é extremamente custoso energeticamente. Ou seja, quanto maior for a prova, mais importante vai ser economizar energia.

DICA: Para você entender o que são esses 9% de inclinação, vá até uma esteira e coloque nesta inclinação e sinta você mesmo. Ou, se preferir, escolha uma subida na sua cidade e trace um segmento no aplicativo Strava, ele vai te dar o percentual de inclinação dela.

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Pensando nessa energia “extra” que você precisa para enfrentar a gravidade, da onde ela sairia? Da sua força muscular ou do seu condicionamento aeróbio?

Para responder essa outra questão foi realizado um estudo com triatletas, esquiadores de cross country e corredores de meia distância (800m -1500 m). Não houve diferença entre os três grupos em consumo máximo de oxigênio (VO2 máx) durante a corrida em esteira, o que significa que eles tinham mais ou menos o mesmo condicionamento aeróbio. No entanto, como os corredores de meia distância se focavam seu treinamento “somente” na corrida (e, além disso, focavam na corrida rápida) em seu treinamento, eles tinham o que os pesquisadores chamaram de melhores “fatores de força muscular” se comparados com triatletas e os esquiadores de cross country.

Assim, nos testes preliminares em esteira, os corredores de meia distância tiveram melhor resistência anaeróbica e melhor velocidade máxima medida durante um sprint de 30 m. Cada um desses três grupos foi submetido a dois testes de esteira progressivamente mais rápidos – um plano e um com esteira ajustada a uma inclinação de 12%.

Surpreendentemente, os pesquisadores descobriram que a aptidão aeróbica (medida pelo VO2 máx) foi um melhor preditor de corrida em subida do que os “fatores de força muscular” para todos os grupos. Assim, enquanto os corredores de meia distância tenderam a superar os esquiadores e triatletas no teste de esteira plana, os grupos foram mais ou menos iguais no teste de corrida em subida.

Saindo do laboratório e voltando para nossa realidade…

Só temos que tomar cuidado com uma coisa, esses estudos foram realizados em esteira, e quem corre, sabe que correr em esteira e no “chão” são coisas bem diferentes. De qualquer forma, esses estudos nos dão excelentes indicativos de como proceder nas subidas. E, vamos ser sinceros, ninguém vai medir o percentual exato e pensar no meio de uma ultramaratona “15% de inclinação, preciso caminhar”, “9% de inclinação, devo correr”. Não! Com o tempo e a experiência você vai saber a hora para cada uma das coisas.

Apenas, sugiro testar as inclinações em esteira ou ver os segmentos que você faz durante seus treinos afim de se estudar e verificar onde e como você rende melhor. Fazer isso, aliado a um estudo minucioso da prova (onde você vai saber o percentual de cada subida da prova), pode te favorecer. Em alguns estudos, eles sugerem realizar treinamentos de longa duração em subidas, mas treinamento deixarei para o próximo texto. 

Deixe aqui seu comentário de como você faz durante as subidas, prefere atacar elas correndo, ou caminhar e poupar energia?

Estudos usados como referência:

PAAVOLAINEN, L.; NUMMELA, A.; RUSKO, H. Muscle power factors and VO2max as determinants of horizontal and uphill running performance. Scandinavian journal of medicine & science in sports, v. 10, n. 5, p. 286-291, 2000.

VERNILLO, Gianluca et al. An extreme mountain ultra-marathon decreases the cost of uphill walking and running. Frontiers in physiology, v. 7, p. 530, 2016.

ORTIZ, Amanda Louise Ryan; GIOVANELLI, Nicola; KRAM, Rodger. The metabolic costs of walking and running up a 30-degree incline: implications for vertical kilometer foot races. European journal of applied physiology, v. 117, n. 9, p. 1869-1876, 2017.

 

Cristiano Fetter

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Mestre em Ciências do Movimento Humano - UFRGS Sócio Ultra Funcional Place Founder Raiz Trail