Cadeirante desabafa sobre falta de incentivo

Redação Webrun | Corridas de Rua · 28 dez, 2006

Carlos Roberto Oliveira, o Carlão, responsável pela coluna Cadeirantes no Webrun, faz um desabafo sobre a falta de reconhecimento e incentivo por parte dos organizadores da São Silvestre e de outras corridas no Brasil. Confira.

Infelizmente esse ano não será possível participar da São Silvestre e o motivo é o de sempre: a falta de incentivo tanto por parte de patrocinadores como da organização da prova.

A participação dos cadeirantes na competição se restringe a corredores de São Paulo e/ou alguém que esteja passando o ano novo na cidade. Caso contrário, não existe por parte dos corredores interesse em participar, visto que a organização da prova não premia com dinheiro os cadeirantes.

Já participei, já venci e já fui o organizador da prova para cadeirantes em um tempo em que a Gazeta era a patrocinadora oficial. Eu morava em São Paulo, fazia parte do Clube dos Paraplégicos da cidade e trouxemos atletas do Equador; da Costa Rica e por inúmeras vezes atletas do Uruguai; Argentina e Paraguai. Já tivemos a participação de atletas do Brasil inteiro, havendo edições com 18 atletas cadeirantes.

Registros – Não existe história disso tudo, nada foi registrado, não se tem os melhores tempos e nem registro de participação de brasileiros e estrangeiros. Enfim, é um descaso total. A minha não participação se deve ao fato de não haver premiação em dinheiro para cadeirantes, não que eu e os demais corredores sejamos mercenários, porém entendo que façamos parte da sociedade corredora e, por tanto, devamos ser respeitados como tal.

Os cadeirantes “são um fato” que os organizadores de provas tentam tratar como se não existissem. Você por acaso já viu em provas nacionais que são televisionadas, alguma largada, chegada ou tomada da performance dos atletas durante o percurso que não seja aquelas tomadas de “favor, de esmola” ou seja quando os pelotões de elite masculino e feminino alcançam retardatários cadeirantes?

Você já viu alguma cerimônia de premiação para cadeirantes; algum atleta cadeirante com a coroa de louros da vitória; algum atleta cadeirante com o número um, que representa o status de vencedor da edição anterior que está defendendo o título? Eu poderia incluir aqui inúmeras outras perguntas, mas creio que estas já ilustram bem o quadro do preconceito que existe dos organizadores de prova para com os cadeirantes.

Ao fazermos inscrições, fazemos parte da corrida; da maratona, mas para a premiação somos “uma categoria”. Todas as categorias concorrem ao prêmio principal, porém os excluídos sempre recebem esmolas como premiação.

Para se ter uma idéia, minha última competição este ano foi a Maratona Internacional de Curitiba em novembro, ocasião em que o primeiro colocado “andante” recebeu R$ 12.000 e eu, como vencedor cadeirante, recebi R$ 800.

Vai ter de descer Jesus Cristo na terra para me convencer que foi impossível fazer uma premiação melhor. Ora, se for retirado R$ 500 do primeiro masculino e feminino; uns R$ 200 dos segundos e mais R$ 100 dos terceiros, dá para fragmentar e premiar um pouco melhor os cadeirantes.

Ídolos – Existem inúmeras pessoas em hospitais, em suas casas, em recuperação, em cadeiras de rodas que ficaram com deficiência física por inúmeros fatores e que não podem ter os seus ídolos, tão e somente porque a imprensa não os mostra à sociedade através das páginas de seus jornais, das colunas de suas revistas, dos espaços dos seus telejornais.

Pode-se alegar que o esporte paraolímpico nunca esteve tanto na mídia como agora, mas veja quem se noticia? O Clodoaldo que enche páginas e páginas de jornais do exterior, a Ádria dos Santos, etc…

É chover no molhado, do tipo, “poxa, se a gente não noticiar, estaremos atirando no pé. Os caras lá fora estão dando matérias dos brazucas e a gente nada?” A mídia internacional é quem pauta os jornais e telejornais do país, no que tange o esporte paraolímpico.

Veja um exemplo. Eu trabalho em um grande jornal do sul do país e foi necessário a editoria de mundo buscar matéria minha no NY Times para eles noticiarem também. O equipamento que utilizamos é todo importado e caro, temos despesas com viagem e hospedagem, não temos patrocinadores. É justo que não recebamos premiação justa?

As duas maiores empresas de organização de corridas do país, a JJS Eventos e a Yescom adotaram o seguinte sistema. Não cobramos a inscrição dos cadeirantes, mas também não os premiamos. É uma bela maneira de tapar o
sol com a peneira. Alguns organizadores alegam que não colocam a categoria por “segurança”.

Segurança de quem? Em provas internacionais como Martona de NY,
Boston, Berlim, Paris, onde correm em torno de 30, 40 mil pessoas e correm em torno de 300 cadeirantes, a segurança é total. Os acidentes acontecem em
decorrência do esporte, velocidade, falta de manutenção do equipamento, etc, mas aí são situações à parte e não fazem parte do contexto geral da prova.

Existe ainda os que não tem informação sobre os equipamentos que são permitidos ou não, sobre regras e que alegam isso como forma de afastar os
cadeirantes. Ora, para isto existem as assessorias. Se não sabem, tem que buscar a informação.

Volta por cima – Em Nova York costumava não haver premiação para cadeirante. Certa vez um jornalista tomou a causa como pessoal, ia em todas as entrevista do diretor da New York Road Runners e fazia sempre a mesma pergunta: porquê os cadeirantes não recebem premiação em dinheiro. Ele fez isso por uns dois anos e nesse trajeto encontrou outros jornalistas aliados que se cadastravam nas entrevistas coletivas e sempre faziam a mesma pergunta.

Hoje a Maratona de Nova York premia e dá aos cadeirantes o mesmo tratamento dado aos andantes, como sala vip para as entrevistas coletivas, coroa de louros, reconhece os recordes, o vencedor recebe o número um para a próxima prova (esse lance do número um pode até parecer frescura, mas para quem é corredor sabe o valor que tem). Também fornece release para a imprensa, confirmação independente da vontade para o ano seguinte, bônus de patrocinadores, entre outras coisas.

Já falei inúmeras vezes que não queremos ser o centro das atenções, nem termos todas as luzes da ribalta, mas sim sermos tratados com dignidade.

Este texto foi escrito por: Webrun

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