Fragoso no início da etapa da corrida (foto: Ana Keila)
A meta do ser humano é sempre vencer. Superar seus limites, fazer o melhor. Todos querem ser lembrados como campeões. Essa mentalidade é válida, e compreensível, tanto nos negócios, como nos esportes. Da mesma forma que o empresário estuda e coloca em prática seus projetos, o atleta treina, cumpre uma rotina diária, muitas vezes solitária, focando uma medalha, um novo recorde ou, simplesmente, melhorar sua marca. Acreditar. É o que fará a diferença entre os vencedores e os vencidos, além de muita dedicação e talento. Mas como reagir quando algo sai errado?
No final de setembro, o Marcos Miyake, amigo e sócio na Rally Brasil, ligou empolgado me convidando para participar de uma prova de aquathlon que seria realizada no litoral paulista. A princípio gostei da idéia, mas quando ele comentou as distâncias achei que o desafio não era o bastante. Comecei a pesquisar na internet até encontrar a terceira etapa do Super Biathlon Series Casa Hope, marcada para o dia 04 de outubro, na Represa Guarapiranga (SP). Apesar de não ter experiência com natação, resolvi correr a prova como preparação para o Desafio Praias e Trilhas, que rola no próximo dia 18 em Florianópolis (SC). Nossa missão era nadar 2,5 km e correr 20 km.
Foram cerca de quinze dias alternando treinos na piscina e corrida. O objetivo era terminar nosso primeiro biathlon. Quando chegamos no Tempo Wind Clube, local da prova, uma surpresa. Ventava forte e a água não estava muito calma como gostaríamos. Já o percurso de 20 km prometia castigar as canelas. “A organização informa: serão três voltas de 6,8 km na terra”. Subidas íngremes, descidas e buracos. E eu preparado para correr no asfalto. Alongamento e mentalização. A largada aconteceu às 12:30 h, sob sol forte. Cerca de 50 atletas iniciaram as braçadas rumo a primeira bóia. O trajeto formava um triângulo, totalizando 1.250 m, que seria contornado duas vezes.
Tenho uma certa ansiedade nadando, não gosto de permanecer com a cabeça dentro d´água, segurando a respiração. Mesmo sabendo que a cada braçada basta virar o pescoço, demoro um pouco para relaxar e diminuir os batimentos cardíacos. Precisei de 200 metros para perceber que não seria fácil, já que nadávamos contra a correnteza, com muitas ondas. Pensei no Ironman (3,8 km). Logo, um cara que estava ao meu lado levantou o braço chamando o resgate. Cinquenta metros adiante eu já era o último. As cãibras começavam a se manifestar. Perna esquerda, perna direita. Até nas duas pernas ao mesmo tempo. Minha modesta projeção de uma hora ia para o espaço. Vou até o fim.
Levei uma volta do pelotão de elite, mas as cãibras já haviam desaparecido e consegui “sofrer menos” no segundo giro. Era só nadar. Os bombeiros perguntaram se eu estava bem e respondí que sim. Segui escoltado por um barco e um jet-ski. A represa era só minha! Eu estava lá para treinar e logo sairia da água. Só alegria. Tentei colocar um ritmo mais rápido, mas a água estava bem mexida. Fui na boa, mirando a última bóia. Após 01:20 h nas águas da Guarapiranga, pisei na terra e segui para a transição. A Ana Keila, esposa do Miyake, estava lá para dar uma força e registrar algumas fotos. O piloto e médico anestesiologista nadou em cinquenta minutos.
Short, meia, tênis, camiseta, gel, BCAA e boné. Quando vou iniciar a corrida, encontro o Marcos completando sua primeira volta. O figura estava surpreendendo. Acompanhei as passadas, mas minhas pernas estavam pesadas. Com a experiência de quatro maratonas, agora era minha vez de tranquilizar o Miyake. Ele nunca havia corrido mais de 10 km até quinze dias antes da prova. Ao longo do percurso, um belo visual. Destaque para o ultramaratonista Roberto Losada, que incentivou todos os participantes, correndo pelo trecho sem parar, enquanto os ponteiros passavam rápidos e concentrados.
Nesse sobe e desce, troquei algumas palavras com outros atletas. Alguns reclamavam de dores nas pernas, outros já caminhavam. Cada um no seu ritmo. Quando o Miyake estava chegando para completar a última volta, ele ficou emocionado. Ví em seu rosto a expressão de felicidade. “Estou arrepiado”, disse mostrando os braços. Não há balada que se compare a emoção de completar uma prova de longa distância. Esse é o grande lance. Atingir seu objetivo, realizar um sonho. Depois do tradicional boa sorte ele entrou no clube e eu seguí, mais uma vez sozinho. Restavam 6,8 km.
Mesmo na última colocação, não pensei em desistir. Estava bem fisicamente, as pernas já nem estavam tão travadas. Foi um dos melhores momentos da prova. Eu era meu único adversário, um puta silêncio, árvores, céu azul. De repente acabei errando o percurso (as sinalizações simplesmente desapareceram) e corrí em sentido oposto ao retorno e posto de água. Perdi alguns minutos até perceber a sacanagem, não sei se foi um morador local, mas conseguí me localizar. Reta final.
Quando faltava aproximadamente um quilômetro para a chegada cruzei o Eduardo de Florio, organizador do Super Biathlon Series, e corremos juntos. O melhor estava por vir. O relógio marcava 03:27:08 h de competição quando completei a prova. Poderia esperar uma simples recepção, com a presença de poucos atletas. Mas estava todo mundo lá. Aguardando o último colocado. Fui recebido com festa, digna do verdadeiro campeão, Rodrigo Faro, que fechou em 01:57:15 h. Essa atitude compensou todo o meu esforço. E ainda, acabei vencendo a categoria 25-29 anos, devido as desistências dos demais atletas. Na verdade, todos são vencedores. Até os que tentaram e não completaram. Só perdem aqueles que não experimentam.
Fernando Fragoso – Tem 26, repórter esportivo e fotógrafo, participou de mais de 60 provas como o Rally dos Sertões (97, 99 e 2000), Mitsubishi Motorsports (98 e 2000), Copa Dunas de Rally (99), Copa Vale Raid (99) e Copa Sudeste de Off Road (96, 97, 98 e 99), navegando para 12 pilotos. Também percorreu de bicicleta o litoral de Santa Catarina (94), correu a Maratona do Rio de Janeiro (2003), Maratona das Águas (2003), Maratona de Curitiba (2002) e Maratona de São Paulo (2002), além de cobrir as principais competições. É editor do site e sócio da Rally Brasil..
Mais informações: www.rallybrasil.com.br/fragoso
Este texto foi escrito por: Fernando Fragoso