O tempo passa em um piscar de olhos. É assim que Joaquim Cruz se lembra, 40 anos depois, das duas voltas na pista do Coliseu de Los Angeles, realizadas na tarde quente do dia 6 de agosto de 1984, e que lhe deram o título de campeão olímpico dos 800 metros dos Jogos de Los Angeles. Até hoje, é o único ouro conquistado por um brasileiro em provas de pista do atletismo.
“A ironia da vida é que quando você é jovem, quer crescer rápido para fazer coisa de adulto, não vê a hora chegar. E como demora! Aí, quando chega, o tempo passa rápido demais. Passaram-se 40 anos da minha medalha e eu nem estava pensando nisso até pouco tempo atrás. Mas alguém falou: você não quer voltar lá no estádio para uma reportagem? Só aí percebi que já são 40 anos sendo medalhista. Passou rapidinho, em um um piscar de olhos.”
Joaquim Carvalho Cruz, nascido em Taguatinga (DF), tinha apenas 21 anos quando alinhou na largada da final dos 800 metros da Olimpíada de Los Angeles-1984. Estudava e treinava nos EUA, quando o recorde mundial sub-20 da distância (1:44.3), batido no Rio de Janeiro em 1981, abriu-lhe as portas para o país norte-americano. Mudou-se para lá com o seu treinador da vida toda, Luiz Alberto de Oliveira.
Seus principais rivais eram os britânicos Sebastian Coe, que havia se tornado recordista mundial um mês antes (1:41.73), e Steve Ovett, então campeão olímpico. “Nos últimos 120 metros de prova, senti um arrepio enorme no corpo. Nos 90 metros finais, eu consegui voar”, descreveu Joaquim, em depoimento ao livro Heróis do atletismo brasileiro. O brasileiro completou a prova em 1:43.00, recorde olímpico.
E como o Joaquim Cruz de 2024 rememora aquela conquista de 1984? “A forma que eu relembro é de que, um dia, quando eu era jovem, eu me considerei imortal. E ainda bem que eu me considerava imortal, porque eu não tinha medo de encarar os desafios do esporte. Eu encarei, curti cada momento nos treinamentos e nas competições. Alcancei o lugar mais alto, não só em termos de medalhas, mas de resultados”.
Pouco depois dos Jogos, Joaquim demonstrou mais uma vez ao mundo sua excelente forma. No dia 26 de agosto, correu a prova em 1:41.77 no Meeting de Colônia, na Alemanha. Por apenas 4 centésimos não bateu o recorde mundial de Coe. “Tem 40 anos que ninguém desse lado do Oceano Atlântico, no continente americano, que correu mais rápido. Foi a isso que eu cheguei.” A marca ainda é recorde brasileiro e sul-americano.
A marca de Joaquim é tão forte que, até o começo de julho, mantinha-se como a 5ª melhor de todos os tempos. Ainda continua no top 10 mesmo após as impressionantes performances, nesta temporada, do argelino Djamel Sedjati (1:41.46, de 12 de julho), do queniano Emmanuel Wanyonyi (1:41.58, de 7 de julho) e do francês Gabriel Tual (1:41.61, de 7 de julho).
Com os atuais resultados, os três se candidatam ao pódio em Paris e como possíveis recordistas mundiais, posto ocupado pelo queniano David Rudisha desde a final de Londres-2012. Com o tempo de 1:40.91, ele ainda é o único do mundo a ter corrido os 800 m abaixo de 1:40.
Joaquim ainda conquistou a medalha de prata nos Jogos de Seul, em 1988, em uma disputa emocionante com o queniano Paul Ereng. Joaquim liderou a prova até a reta final, mas foi ultrapassado pelo adversário a 50 metros do fim. Finalizou em 1:43.90.
“Na primeira medalha, eu tive que superar as dificuldades da vida de garoto, de praticar esporte no Brasil sem muito apoio, de mudar para os Estados Unidos e renascer em um outro país. Já na medalha de prata, eu tive que superar os meus problemas físicos, as cirurgias. Quando eu fui para Seul, eu estava na quarta cirurgia. Então essa medalha significou essa superação, e quase que eu subi no mais alto do pódio novamente.”
A última participação olímpica de Joaquim aconteceu oito anos depois, em Atlanta-1996. Na edição que comemorou o centenário dos Jogos Olímpicos da Era Moderna, o meio-fundista foi o responsável por carregar a bandeira do Brasil na Cerimônia de Abertura. Para Joaquim, aqueles foram os Jogos da celebração de uma carreira muito vitoriosa.
“Em Barcelona-1992 eu não fui. E todo mundo já estava prevendo uma aposentadoria, por causa das lesões. Mas eu não estava pronto para me aposentar. Então 1996 foi especial, porque eu fui mais como um participante, apesar de duas medalhas olímpicas”, relembra.
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“Atlanta foi a Olimpíada que eu curti. Participei da Cerimônia de Abertura, coisa que eu não tinha feito. E tive a honra de carregar a bandeira do Brasil. Assisti Brasil x EUA no basquete, fui ao Mc Donald’s para pegar bonecos para os meus filhos (Paulo e Kelvin). Então tive meu momento de participante, dentro da máxima dos Jogos Olímpicos, que você pode não ganhar, mas o importante é competir.”
Aos 33 anos, após muitos problemas com lesões e cirurgias, Joaquim Cruz se classificou para correr os 1.500 m. Não superou a bateria eliminatória. No ano seguinte, 1997, encerrou a carreira de atleta, no Troféu Brasil disputado no Estádio Célio de Barros, na mesma pista em que o mundo do atletismo se abriu, em 1981.
Programa olímpico do atletismo – https://olympics.com/pt/paris-2024/calendario/atletismo