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1970-01-01 -
Marcinha em entrevista coletiva (foto: Fernanda Paradizo)
Marcinha em entrevista coletiva (foto: Fernanda Paradizo)

Márcia Narloch tem pouco mais de um metro e meio, mas a cada ano se firma como uma das principais maratonistas do Brasil

O que pode haver de comum entre uma agência bancária e o atletismo? Para a grande maioria, nada. Para uma pessoa, em especial, ambos fizerem parte dos sonhos de juventude. Com 20 anos de carreira, Márcia Narloch já disputou duas olimpíadas, participou das principais provas de rua do mundo e nos últimos sete anos esteve sempre entre as primeiras colocadas do ranking brasileiro de maratona. Mas, quando garota, em Joinville, desejava ser bancária. Isso até sentir que poderia ser uma atleta profissional. Aos 17 anos, não imaginava que poderia ir além do caixa de uma agência em Santa Catarina e ser uma esportista de glórias. Hoje, é uma das principais corredores do Brasil. A ‘baixinha’ mede 1,53m impõe, e merece, respeito.

Engana-se quem pensa que foi ela quem buscou o atletismo. A modalidade entrou em sua vida por acaso. Márcia começou a correr simplesmente para ocupar uma tediosa tarde de domingo. “Nasci em Joinville, mas, na época, com 13 anos estava morando em Florianópolis e, um dia, alguns amigos que praticavam corrida me chamaram para ir caminhar. Acabou virando um trote leve e percorremos 7km. Eles acharam que eu tinha jeito e me apresentaram para um técnico da Universidade de Santa Catarina. Foi então que comecei a praticar atletismo.” A maratonista sempre gostou de esportes. Educação física era a disciplina preferida na escola, mas não ao ponto de se dedicar integralmente ao atletismo. Foi assim até os 16 anos, dividida entre os estudos, o emprego de assistente de professor de natação e os treinos (apenas um período).

Quando vislumbrou no esporte um meio para ter um futuro melhor e ganhar um “dinheirinho”, resolveu se dedicar mais aos treinamentos para aprimorar a performance. Márcia começou a se destacar nas competições em 1987, quando venceu a prova de 10km Zero Hora, em Porto Alegre. “Encarei aquela vitória com a maior naturalidade, com ingenuidade, pois o que viesse era lucro para mim, não tinha a expectativa de vencer. Então, ganhar foi mais do que esperava. A partir deste dia comecei a sonhar em ser uma grande atleta.” No mesmo ano vieram a medalha de bronze nos 10 mil metros do Troféu Brasil de Atletismo (pista) e o segundo lugar na prova João Carlos de Oliveira, em Curitiba, também com percurso de 10 km.

A catarinense não imaginava que em 90 sua vida poderia mudar radicalmente. Neste ano, a atleta de descendência polonesa, vinda de uma família simples de nove irmãos, ‘ganhava’ o Brasil e o mundo. Mudou-se para o Rio de Janeiro e, em seguida, foi treinar e competir na Alemanha. “Um amigo me indicou para o Filé (o técnico Jorge de Augustini Oliveira), então, me mudei para o Rio para treinar com ele e logo depois fomos para Alemanha treinar e competir. Eram seis meses lá, seis aqui. Esta época foi muito importante, porque não me desgastava muito em razão do clima, a vida era bem calma, o que propiciava uma boa concentração. E tive um excelente acompanhamento médico, pois tenho uma anemia genética. Além, é claro, da qualidade e do nível das provas que participei.” Mas esta não foi a única experiência internacional. Márcia treinou durante dois anos nos EUA (93/94), e disputou as principais provas do mundo, como a Maratona de Nova Iorque e Hamburgo, por exemplo.

O crescimento profissional foi uma conseqüência de determinação, muito treinamento e sacrifícios. Pragmática, Márcia Narloch avisa: não há sucesso sem perda. “Temos poucas mulheres se destacando no atletismo justamente porque, para ser uma grande atleta, tem que deixar algumas coisas de lado, coisas que toda garota gosta de fazer. E a preparação começa cedo. Tem que privilegiar o treino e a disciplina na alimentação. É difícil para uma garota querer se dedicar exclusivamente ao esporte. No auge da adolescência, deixar as festas, passeios com amigos, e esta dedicação não é um dia, dois, são anos. Para ser uma grande atleta não dá para fazer três, quatro coisas ao mesmo tempo.” A campeã da Volta da Pampulha 2002, atesta que o esporte lhe deu um futuro acima das próprias expectativas. “Com certeza se eu não tivesse entrado para o atletismo não sei o que teria sido. Talvez uma bancária, gostava de bancos. O esporte me ensinou a ser uma grande cidadã, uma grande mulher. Sem o esporte não teria conhecido o Brasil, o mundo.”

Com uma rotina de extrema dedicação, a catarinense divide seu tempo entre treinos (manhã e tarde), alimentação (cinco refeições) e descanso para recuperação do esforço exigido. Nas folgas, geralmente no período de férias, gosta de ir a praia, ao shopping e visitar a sua região natal, o sul do País. A atleta mantém uma alimentação balanceada, come um pouco de tudo, mas privilegia frutas, legumes, verduras, carboidratos e proteínas. Tem o costume de, após o treino, tomar uma vitamina de frutas ou um suco de legumes. Atualmente, a corredora está rodando em média 25km por dia, porque está em preparação para o Pan-Americano de Santo Domingo, sua principal meta nesta temporada.

Em 99, a catarinense foi sexta colocada na prova de 10km no Pan de Winnipeg, no Canadá. A maratonista busca o índice para a competição na República Dominicana e também planeja repetir a conquista da Volta da Pampulha este ano. Após o Pan-Americano, começa a batalha pelo índice para a Olimpíada de Atenas. A participação em Barcelona/92, estréia no maior evento esportivo do mundo, é a escolhida como a mais especial da carreira. “Estar numa prova olímpica, sabendo que todo o mundo está te vendo é um momento muito especial, foi o mais emocionante. Meu técnico falava que quando disputasse uma maratona de Nova Iorque também seria especial. Participei em 94, foi importante, fiquei em quarto lugar, mas ainda considero a prova de Barcelona a mais importante da minha carreira.”

A maratonista ficou em 16º e 36º lugar, em Barcelona e Atlanta (96), respectivamente, sendo a brasileira melhor colocada nas duas edições dos Jogos. Narloch confessa que ainda sonha com uma medalha olímpica e que Atenas será sua despedida. “Já disputei Mundial, Pan-Americano e Olimpíada, os principais eventos esportivos, mas é claro ainda quero uma medalha olímpica. Tenho esperança de que vou alcançar o índice para Atenas. Primeiro estou me preparando para o Pan e depois vou avaliar os Jogos de 2004, as minhas chances no torneio, o clima para realizar o treinamento adequado. Depois de Atenas penso em deixar o esporte de elite. Não vou sair do esporte, quero me dedicar aos estudos e fazer uma faculdade de Educação Física”.

Flor do campo – Após 20 anos de atletismo, a segunda colocada do ranking nacional da maratona em 2002 avalia a evolução da modalidade no Brasil como positiva e aposta em Ednalva Laureano como promessa de conquistas para o Brasil na maratona feminina. “Atualmente parei de competir muito fora do País justamente porque as corridas melhoraram no Brasil. Temos entre duas a três provas por mês com boa premiação, levando em consideração a crise que o país atravessa, e também a organização das competições melhorou muito. Não há um grande número de mulheres no atletismo, pois é uma modalidade que exige demais e não deixa a mulher uma “flor do campo”. Ficamos muito magras e com poucas curvas, então, são poucos talentos. Mas, da nova geração, a Ednalva vem apresentando bons resultados e tem condições de conquistar muita coisa ainda.”

Márcia Narloch mantém o melhor tempo de maratona em provas realizadas no Brasil, com a marca de 2h34min18 conquistada em Porto Alegre, em 2000. Persistência é a arma usada para somar tantas conquistas e glórias. “Sou concentrada e determinada, enquanto não realizo o que quero, não sossego. Foco meu objetivo e nada me distrai desta meta. Tenho uma postura de profissional, aceito a derrota, mas não gosto de perder. É esta vontade de sempre vencer que me fez uma grande atleta. Quando entro em uma corrida, antes visualizo a largada e a chegada, e se não consigo realizar o planejado, são noites sem dormir.” Agora é esperar para ver mais uma vez Márcia Narloch disputar o Pan-Americano e conseguir realizar a despedida da Olimpíada, em Atenas/2004, com uma medalha no peito. Se depender de dedicação, está no papo.

Perfil:

  • Márcia Narloch
  • 34 anos
  • maratonista
  • 42kg
  • 1,53m

Conquistas:

  • Bicampeã na Maratona Internacional de São Paulo (99/2000)
  • Tricampeã da Maratona Internacional de Porto Alegre (98/99/2000)
  • Campeã da IV Volta da Pampulha (2002)
  • 2° lugar na Corrida de Reis (2002)
  • 3° Lugar na São Silvestre (2001)
  • 4º Maratona de Nova Iorque (94)
  • 16° lugar na Olimpíada de Barcelona (92)
  • 36° lugar na Olimpíada de Atlanta (96)
  • 6° lugar nos Jogos Pan-americanos de Winnipeg nos 10 mil metros (99)

Este texto foi escrito por: Renata Rondini (*)- Revista SuperAção